terça-feira, 25 de novembro de 2008

Haicai!

" ossos desgastados
em minha mente
um corpo perfurado pelo vento"

domingo, 23 de novembro de 2008

Peixes verdes...

Adeus

Eugénio de Andrade

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!

e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.

(foi mantida a grafia original)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Renata Rosa


" Eu tava forrando a cama

a cama pro meu amor

passou um vento na roseira

a cama se encheu de flor

leva eu, saudade

se me leva eu vou."


Música do disco Manto do sonho.
"Para realizar o disco, Renata Rosa mergulhou em pesquisas culturais e sonoras por dois anos nos estados de Pernambuco e Alagoas. Os cantos das rodas de coco, de maracatu rural-tradicional e do cavalo marinho. É o canto de um povo. Por isso, diversas canções apresentadas no disco não tem registro de direito autoral em sua letra, são de domínio público."


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Mario Quintana

Se eu fosse um padre

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma...
a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus!

Ora bolas!

O livro Ora bolas: O humor de Mario Quintana, traz algumas historinhas protagonizadas pelo poeta, registradas em entrevistas com amigos e familiares. O livro é super divertido e revela um pouco da personalidade de Quintana, conhecido também pelo humor e irreverência. Aí vai uma delas:
Imposto de Renda
Andava às voltas com a declaração do imposto de renda. Tinha o salário do Correio do Povo e até aí tudo bem. Para complicar, havia direitos autorais vindos de várias fontes. Mais burocracia do que dinheiro, como se sabe. Enfim, andava às voltas com os labirintos da declaração.
Mas sempre há uma alma caridosa. O colega Sílvio Braga, que se dividia entre a redação do Correio e uma repartição federal, ofereceu-se:
-Reúne a papelada e me passa, que eu faço tua declaração no computador.
Prometido e feito. Mario agradeceu pelos préstimos com um verso:
Sei que meu cálculo é infiel
Na mais inglória das lutas
Lido com pena e papel
E tu, ó Braga, computas.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Recado antigo!

Trechos de falas antigas de alguns índios norte-americanos para os "Homens brancos" :

" (...) Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o Homem vermelho. Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos das florestas densas impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruída por fios que falam. Onde está o arvoredo? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência."

"O homem não teceu a teia da vida: ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizermos ao tecido fará o homem a si mesmo."

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Velhos e novos

" (...)
Claro que o mundo, pobre dele, não tem culpa dos males de que padece. O que chamamos estado do mundo é o estado da desgraçada humanidade que somos, inevitavelmente composta de velhos que foram novos, de novos que hão-de ser velhos, de outros que já não são novos e ainda não são velhos. Culpas? Ouço dizer que todos as temos, que ninguém pode gabar-se de estar inocente, mas parece-me que semelhantes declarações, que aparentemente distribuem justiça por igual, não passam, quando muito, de espúrias recidivas mutantes do chamado pecado original, servem apenas para diluir e ocultar, numa imaginária culpa colectiva, as responsabilidades dos autênticos culpados. Do estado, não do mundo, mas da vida."